Filha

 Meu lugar era um quartinho no fundo da casa. Não tínhamos banheiro. Pela manhã, ela pegava o penico embaixo da cama, e despejava no vaso que ficava próximo à cozinha. Todas as manhãs, o penico estava lá mostrando o nosso lugar.  Eu não achava ruim, até me acostumei  a espaços pequenos, toda comunicação era feita na porta do quartinho. Qualquer pessoa colocava a cabeça na porta e falava o que queria. A entrada era restrita , mas não havia placa de proibido entrar pendurada, mas uma barreira simbólica que só percebi anos depois.

De vez em quando eu ia pra restaurantes caros, comia ate MacDonalds, mas só não era melhor que os passeios à praia aos domingos.  Minha mãe levava o balde e eu ficava fazendo conchinha de areia pra esquecer meu medo do mar. Tinha também os passeios pro trabalho dela, em que eu ficava rodando na cadeira giratória e fantasiava que eu era alguma empresária importante que só dava ordens. 

Enquanto isso minha mãe estava em casa. O quartinho era só pra dormir e trocar de roupa. Devia estar na cozinha lavando louça ou limpando os banheiros. Ela fazia tudo sozinha: Colocava as crianças pra escola, ajeitava o almoço, fazia compras, lavava roupa e todo tipo de sujeira.  Eu fui crescendo achando que minha mãe era babá porque ela que colocava as mochilas nas costas e segurava os meninos pelas mãos pra levar à escola. 

Uma vez recebi na escola um gesso com uma foto dela no dia das mães, fiquei sem entender porque trocaram de mãe e colocaram a babá. Aquele povo da escola era mesmo doido, mas por que eu dormia no quarto fora se todo mundo tinha quarto dentro? 

Minha mãe dormia todo dia lá, eu achava que era porque a mãe dela não gostava dela porque ela me teve. Eu nem sabia o nome da minha avó, só lembro que ela quis bater na minha mãe quando ela me levou pra conhecê-la.  Nunca entendi o porquê, mas também nunca entendi por que no meu registro de nascimento não tinha o nome do meu pai sendo que eu o via todo dia. Não entendia porque eu tinha que pedir e até chorar pra comer Nissin miojo ou bolacha recheada, enquanto meu irmão só abria o pacote, em frente ao televisor assistindo cavaleiros do zodíaco.

Minha mãe me dava presentes e ensinava a tarefa, a outra me forçava a comer e me colocava pro colégio. Era fácil gostar da primeira porque a segunda ficava só com a parte chata...

Crescer foi a parte mais difícil dessa história, mas inevitavelmente aconteceu. O joelho sempre ralado se tornou meu menor problema, porque o coração estara arranhado sempre. Tive que entender meu lugar nesse quartinho que já não suportava minha imensidão de ser....

Revisito esse quartinho sempre que algo vem me avisar de que ele existiu. Da memória ele nunca saiu...Está lá pra lembrar de onde vim e pra onde não fui.




 
Além do Nosso Espelho © 2015 | Criado Por Aline Lima