Santo

Eu estava na feira. Um rapaz de bermuda passou oferecendo alho, um homem gritava algo sobre a política atual, uma criança dormia embaixo do banco da feira segurando um urso, uma mulher vendia suas frutas, reparei na banca ao lado e as cores dos legumes pareciam mais vívidos. Sorri ao pedir uma tapioca com queijo, conversei com a moça que me vendia toda suja de branco, escutei sobre seu cansaço em sair de casa às 4h da manhã para o trabalho. Sai da feira e entrei no carro, começou a tocar um samba antigo que sempre ouvia contigo, uma lágrima desceu do meu rosto, segui...

Os meus poros eram quase todos já conhecidos por mim, os teus ainda eram mistério. Todas as vezes que toquei em você foi sagrado pra mim. Mas tu zombasse do meu sacro amor e começastes a me evitar Não posso dizer que não percebi. Doeu sim também. E como tudo que é santo guardei meu amor.



mulheres

 Elas sorriem quando querem gritar.

Elas cantam quando querem chorar.
Elas choram quando estão felizes.
E riem quando estão nervosas.

Elas brigam por aquilo que acreditam.
Elas levantam-se para injustiça.
Elas não levam "não" como resposta quando
acreditam que existe melhor solução.

Elas andam sem novos sapatos para
suas crianças poder tê-los.
Elas vão ao medico com uma amiga assustada.
Elas amam incondicionalmente.

Elas choram quando suas crianças adoecem
e se alegram quando suas crianças ganham prêmios.
Elas ficam contentes quando ouvem sobre
um aniversario ou um novo casamento.

Seus corações quebram quando seus amigos morrem.
Elas lamentam-se com a perda de um membro da família,
contudo são fortes quando elas pensam que não há mais força.
Elas sabem que um abraço e um beijo podem curar um coração quebrado.
O coração de uma mulher é o que faz o mundo girar!

Mulheres fazem mais do que dar a vida.
Elas trazem alegria e esperança.
Elas dão compaixão e ideais.
Elas dão apoio moral para sua família e amigos.
Mulheres têm muito a dizer e muito a dar.


Pablo Neruda

parto normal

 Saber esperar o tempo.


A torre

 minhas paredes

desabaram

– só se ouviu
o som –

oitocentos reais
de tijolos cimento
azulejos rejunte
branco

– as paredes
foram
desabando –

como todos
os grandes
muros

políticos
protetivos
cativos
coloridos
mijados

– onde se escoram
os cansados –

minhas paredes
cumpriram
seu tempo

( Jarid Arraes)

Angústia #2

 pensamento em dia de angústia


não sei o que essa coisa quer me dizer....eu conto a vida por respirada,

aaa uuu 

 alívio

boca seca!

aberta em esperança do ar, mas nada entra

só um vazio atravessa.


Discorro os versos como quem libera a coisa, mesmo sem saber exatamente o que!

será medo?!será raiva?

será que meu peito um dia solta?!

não encontro resposta, apenas me faço as perguntas.

durmo pra em sonho revelar-me,

nada vem!

só angústia.


...

 Minha tristeza é falsa; basta uma palavra pra se desfazer em risada.


Aline Lima



Filha

 Meu lugar era um quartinho no fundo da casa. Não tínhamos banheiro. Pela manhã, ela pegava o penico embaixo da cama, e despejava no vaso que ficava próximo à cozinha. Todas as manhãs, o penico estava lá mostrando o nosso lugar.  Eu não achava ruim, até me acostumei  a espaços pequenos, toda comunicação era feita na porta do quartinho. Qualquer pessoa colocava a cabeça na porta e falava o que queria. A entrada era restrita , mas não havia placa de proibido entrar pendurada, mas uma barreira simbólica que só percebi anos depois.

De vez em quando eu ia pra restaurantes caros, comia ate MacDonalds, mas só não era melhor que os passeios à praia aos domingos.  Minha mãe levava o balde e eu ficava fazendo conchinha de areia pra esquecer meu medo do mar. Tinha também os passeios pro trabalho dela, em que eu ficava rodando na cadeira giratória e fantasiava que eu era alguma empresária importante que só dava ordens. 

Enquanto isso minha mãe estava em casa. O quartinho era só pra dormir e trocar de roupa. Devia estar na cozinha lavando louça ou limpando os banheiros. Ela fazia tudo sozinha: Colocava as crianças pra escola, ajeitava o almoço, fazia compras, lavava roupa e todo tipo de sujeira.  Eu fui crescendo achando que minha mãe era babá porque ela que colocava as mochilas nas costas e segurava os meninos pelas mãos pra levar à escola. 

Uma vez recebi na escola um gesso com uma foto dela no dia das mães, fiquei sem entender porque trocaram de mãe e colocaram a babá. Aquele povo da escola era mesmo doido, mas por que eu dormia no quarto fora se todo mundo tinha quarto dentro? 

Minha mãe dormia todo dia lá, eu achava que era porque a mãe dela não gostava dela porque ela me teve. Eu nem sabia o nome da minha avó, só lembro que ela quis bater na minha mãe quando ela me levou pra conhecê-la.  Nunca entendi o porquê, mas também nunca entendi por que no meu registro de nascimento não tinha o nome do meu pai sendo que eu o via todo dia. Não entendia porque eu tinha que pedir e até chorar pra comer Nissin miojo ou bolacha recheada, enquanto meu irmão só abria o pacote, em frente ao televisor assistindo cavaleiros do zodíaco.

Minha mãe me dava presentes e ensinava a tarefa, a outra me forçava a comer e me colocava pro colégio. Era fácil gostar da primeira porque a segunda ficava só com a parte chata...

Crescer foi a parte mais difícil dessa história, mas inevitavelmente aconteceu. O joelho sempre ralado se tornou meu menor problema, porque o coração estara arranhado sempre. Tive que entender meu lugar nesse quartinho que já não suportava minha imensidão de ser....

Revisito esse quartinho sempre que algo vem me avisar de que ele existiu. Da memória ele nunca saiu...Está lá pra lembrar de onde vim e pra onde não fui.




 
Além do Nosso Espelho © 2015 | Criado Por Aline Lima