Labaredinhas

 Eu preciso falar de quando meu tempo era todo teu?  Olho o relógio, são 19h de uma sexta á noite. O horário dos apaixonados. Esperava tua chegada toda sexta por essas horas. O final de semana seria todo nosso. Comecei a me acostumar com essa nossa rotina.

O tempo não costuma gostar de rotinas. Eu observo minha jiboia em cima da geladeira e quando você chegou ela não tinha nem cinco folhas ainda. As promessas, antes de se perder no tempo, se perdem nas palavras. 

Fechei a porta para nos proteger dos olhares dos outros. O cheiro do seu cabelo provocava meu piercing no nariz e era melhor que qualquer cheiro em qualquer bar, ao menos pra mim. A gente festejava a vida em plena segunda-feira á noite, ignorando tudo lá fora.

Desde o primeiro sorriso que te dei, entre cheiros etílicos, eu sabia que eu me enrolaria nos panos de nossa história, eu só não sabia que seria tão difícil assim me desvincilhar. As tardes passavam sempre devagar deitados na rede, enquanto você massageava meu pé, me fazendo me sentir uma rainha em alta soberania.

Eu não costumava exigir muito então isso já me era tão suficiente que eu dizia obrigada a qualquer gesto seu. De repente, algo mudou e tudo isso passou a ser tão pouco. Eu queria tua presença nem que fosse de vez em quando, para me aquecer de madrugada ou tua ligação em qualquer horário do dia. Eu queria saber do teu dia porque estar contigo só era pouco pro meu desejo. 

De repente, meus desejos eram cobranças. E tu,já meio cansado, me respondia com duas palavras atravessadas: preciso dormir e eu ficava com uma ausência. Uma ausência tão grande. Os dias continuaram e eu insistia em fazer parte da tua vida, já tu, fazias malabarismos para fazer parte da minha. O sentimento de, pela primeira vez, enxergar o que não via. Exigir do outro o que ele não pode me dar é minha via crucis.

Peguei os diários que eu escrevia. Contei quantas vezes teu nome se repetiu. Naquele momento aprendi mais uma lição. Não estava certa disso, por isso ponderei. Rasguei as folhas e fiz uma fogueira. As chamas não foram tão altas assim, mas dentro de mim uma brasa se acendeu.

Sai de casa andando, sendo assistida pelas crianças brincando de pega pega na rua, pelos carros, pelos vizinhos, comecei a correr. Eu pensei no que seria. Uma voz que me pedia. E então compreendi outra coisa: Se apegar ao seu eu destruído é muito mais comum que pensam. 

Voltei para casa e vi quinze chamadas perdidas. Todas suas. Desliguei o celular e  joguei na fogueira junto com as folhas. As pequenas labaredinhas cumpriram seu papel. Eu já não estava sozinha, estava comigo.

23.07.2021






Desilusão

 Eu estava sentada na calçada. Você passava segurando seu cachorro filhotinho e sorria pra mim. Ali era o início de uma história que achei que contaria aos nossos netos. Mas a vida tem caminhos desiguais. Não duramos nem uma década. Já anuncio logo o fim, porque a minha vida toda foi de expectativas.

Do sorriso até o pedido de namoro demorou um tempo. Você ficava sempre desconfiado,não sabia exatamente se era só simpatia, todo mundo com baixa autoestima sente isso. Se sentir especial e desejado parece inalcançável. Mas você tinha coragem. Eu achei que tinha. Depois disso,você me chamou pra comer cachorro quente na praça e nem temia que todos da cidade veriam e falariam que a filha de Zé Correia, mal falada porque foi pega pulando a janela da casa do Seu Pedro da padaria, estaria fazendo mais uma vítima.

sempre foi duro ser mulher, mas ser mulher em cidade pequena parece que é muito mais.

você tinha uma franja grande que cortava seu rosto e deixava só um olho aparecendo. Um olho puxado que a gente não sabia bem quando tava aberto, porque fechava ao sorrir. Você vivia assim de rir de minhas piadas, de minhas histórias de quando passei um tempo no sítio da minha avó e colocava carrapicho na cama para assustar a velha, ou quando ria da catinga dos porcos no quintal com quem eu brincava até cansar ou quando comia tanto pequi que me dava dor de barriga.

Você era meu maior fã. E como todo fã espera muito do ídolo.

Eu não tinha muito a te oferecer, mas tinha minha alegria. Você passou a me levar aos passeios com seu cachorro. Perdia-o de vista porque não desgrudava os olhos dos meus. Eu acho que gostava mais da atenção que você me dava que de você.

Não era muito de falar, mas você era meu melhor ouvinte. Passávamos as tardes na minha casa assistindo. Eu apontava pra televisão de tubo e dizia que queria ser igual aquela atriz, a do cabelo liso de luzes. Você ria e dizia que eu era mais bonita.

Todos da cidade olhavam, falavam. Diziam que eu queria dar o golpe da barriga. Você não era rico,mas seu pai trabalhava no banco e isso já era maior que a renda da minha família inteira. Mas eu não me importava com o que você tinha. Nossos olhos se entendiam.

Você me deu um presente no meu aniversário. Um salto alto igual ao da atriz da televisão. Coloquei um batom vermelho, o salto e você me levou pra tomar sorvete á noite na praça.  Eu estava tão bonita. Um menino me empurrou, me chamou de prostituta, e você ficou calado. Tomei o sorvete sem falar uma palavra. Não entendi seu silêncio.

Achei que você não se importaria com o que diziam de mim, mas você esperava mais. E eu não podia ser livre, não podia ser mulher. Você passou a me dizer pra evitar o batom vermelho porque chama atenção, depois um par do sapato sumiu misteriosamente, depois começou a criticar minhas roupas sempre curtas, reclamava de minhas histórias repetidas.

Seu sorriso mudo deu lugar a um tom sério e uma porção de regras. Você não era mais meu fã, queria ser meu dono.

16.07.21





Ato Falho



Eu quero me despedir porque meu coração ama. Falamos sobre sexo, eu e minhas amigas e a saudade ficou na minha boca. Mas não era qualquer saudade, era a dela.

Minha família não via com bons olhos porque minha vida era diferente da maioria das mulheres,  mas para eles isso era pior que ser prostituta. Abrir as pernas para os homens é natural, mesmo que seja antes dos 18.

Eu ainda tinha 20 e sempre tinha um tio pra perguntar pelos namoradinhos em toda festa. Eu não dizia nada e estendia o braço pra pegar o arroz refogado da ceia. As pessoas falavam, vigiavam e isso chegou ao ouvido de painho. Sai de casa porque não tinha outra opção.

Eu a observava de longe, escolhi esperar, mas há coisas que sonhamos tanto que a realidade não parece dar conta. Mas eu queria ir um pouco mais fundo e consegui um encontro com aquela mulher de 30 anos. Era uma distância de mais de 10 anos de vidas, mas uma distância minima entre os corpos. Eu tinha medo de não ser suficiente, mas eu tinha vontade.

Nossos corpos colidiram e se fundiram. Era nosso acordo, viver o agora. Nossas mentes já não podiam fazer o mesmo. Ela  durou o tempo necessário para tornar todas as histórias de amor irrelevantes. 

O abraço dela era uma toca pra onde eu poderia fugir. Entreguei-me aquele desejo. Seu corpo quente em cima do meu, seu beijo na minha boca, lento, molhado, sentido. Seu cheiro é de mulher, sua boca de ameixa sendo chupada por meus lábios e suas palavras nos meus ouvidos faziam meus músculos se contraírem.

Não conseguiria sair dali sem isso. Ao menos não queria. Porque me segurei por meses pra não bater na porta dela e sentir seu cheiro único, ouvir suas mágoas e reclamações porque eu não soube amar sua alma, mas amei seu corpo. Amei como nunca amei nenhum outro.

Tirei sua roupa lenta pra gravar aquelas curvas na minha memória. Eu não me importei na hora com quem ela estava, naquele momento éramos uma da outra. O toque riscava fogo, sua pele macia deslizava tão bem entre meus dedos.

Pensei em devorá-la de pronto, tão forte era meu desejo,mas ela me pediu pra não ter pressa. Peguei seus seios e os segurei com uma mão, enquanto minha boca beijava seu pescoço. Sua carne era quente, havia líquidos por toda parte, joguei os travesseiros pra fora da cama, a virei de frente pra mim e a fudi como nunca havia desejado tanto antes.

Seu gemido sendo sussurrado em meu ouvido aumentava meu desejo. Coloquei-a de costas pra mim, era bom guiar, e a fudi por trás enquanto seus braços alcançavam a parede e seu cabelo tocava meu rosto. Ela vestia sempre uma lingerie diferente, como se eu fosse achar ruim de ver sempre a mesma, quando sem calcinha, sua bunda realçava suas curvas, sua cintura, seus seios, sua buceta cabia exatamente na minha boca. Seu clitóris estava maior. Gozava. Apagamos a luz, porque o tempo infelizmente não para, e virava sempre pro lado esquerdo porque tinha mania, passava seu corpo encostado ao meu e como quem não se saciava, vinha pra cima de mim provar do meu sexo enquanto me beijava á boca.

 Procurei a água que ficava sempre ao lado da cama, encontrei água em seu corpo. Amanheceu indefesa, meus olhos sorrindo pro amor. Começamos tudo outra vez e nos deixamos cair, cansadas. Não lembro quanto tempo durou aquele momento, mas ficou na minha cabeça pra sempre. Eu tinha me feito mulher, não por um pau, mas por uma mulher .

Os dias continuaram, eu queria voltar a ser quem eu era quando nos encontramos naquela mesa de bar pra dividir uma cerveja enquanto eu sentia que ela iria embora, se não na hora,mas em meses. Depois me despedi porque ainda a amo e isso me escapuliu da boca.



 
Além do Nosso Espelho © 2015 | Criado Por Aline Lima