Desilusão

 Eu estava sentada na calçada. Você passava segurando seu cachorro filhotinho e sorria pra mim. Ali era o início de uma história que achei que contaria aos nossos netos. Mas a vida tem caminhos desiguais. Não duramos nem uma década. Já anuncio logo o fim, porque a minha vida toda foi de expectativas.

Do sorriso até o pedido de namoro demorou um tempo. Você ficava sempre desconfiado,não sabia exatamente se era só simpatia, todo mundo com baixa autoestima sente isso. Se sentir especial e desejado parece inalcançável. Mas você tinha coragem. Eu achei que tinha. Depois disso,você me chamou pra comer cachorro quente na praça e nem temia que todos da cidade veriam e falariam que a filha de Zé Correia, mal falada porque foi pega pulando a janela da casa do Seu Pedro da padaria, estaria fazendo mais uma vítima.

sempre foi duro ser mulher, mas ser mulher em cidade pequena parece que é muito mais.

você tinha uma franja grande que cortava seu rosto e deixava só um olho aparecendo. Um olho puxado que a gente não sabia bem quando tava aberto, porque fechava ao sorrir. Você vivia assim de rir de minhas piadas, de minhas histórias de quando passei um tempo no sítio da minha avó e colocava carrapicho na cama para assustar a velha, ou quando ria da catinga dos porcos no quintal com quem eu brincava até cansar ou quando comia tanto pequi que me dava dor de barriga.

Você era meu maior fã. E como todo fã espera muito do ídolo.

Eu não tinha muito a te oferecer, mas tinha minha alegria. Você passou a me levar aos passeios com seu cachorro. Perdia-o de vista porque não desgrudava os olhos dos meus. Eu acho que gostava mais da atenção que você me dava que de você.

Não era muito de falar, mas você era meu melhor ouvinte. Passávamos as tardes na minha casa assistindo. Eu apontava pra televisão de tubo e dizia que queria ser igual aquela atriz, a do cabelo liso de luzes. Você ria e dizia que eu era mais bonita.

Todos da cidade olhavam, falavam. Diziam que eu queria dar o golpe da barriga. Você não era rico,mas seu pai trabalhava no banco e isso já era maior que a renda da minha família inteira. Mas eu não me importava com o que você tinha. Nossos olhos se entendiam.

Você me deu um presente no meu aniversário. Um salto alto igual ao da atriz da televisão. Coloquei um batom vermelho, o salto e você me levou pra tomar sorvete á noite na praça.  Eu estava tão bonita. Um menino me empurrou, me chamou de prostituta, e você ficou calado. Tomei o sorvete sem falar uma palavra. Não entendi seu silêncio.

Achei que você não se importaria com o que diziam de mim, mas você esperava mais. E eu não podia ser livre, não podia ser mulher. Você passou a me dizer pra evitar o batom vermelho porque chama atenção, depois um par do sapato sumiu misteriosamente, depois começou a criticar minhas roupas sempre curtas, reclamava de minhas histórias repetidas.

Seu sorriso mudo deu lugar a um tom sério e uma porção de regras. Você não era mais meu fã, queria ser meu dono.

16.07.21





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