(Mini crônica) Mesa

Acho bonito quem coloca a mesa. Seja pro café ou pro jantar, parece que colocar a mesa pode ser comparado á reciprocidade. é como dizer: "vem, traz teu amor que já to preparada."

E você vai cortando seus pedaços, sem deixar-se despedaçar, vai fritando o ovo, cortando o pão, amassando a massa, adoçando o líquido.... no início pode não saber a dose, pecar pelo excesso, exceder na falta, depois tudo vai ficando previsível, não menos encantador. Depois de quantos gramas o outro gosta, não perde a graça, torna-se mais excitante. 

Eu já sabia o que você fazia primeiro: o gole no café antes de cortar o queijo. o jeito amassado de pegar a tapioca, o bolo repetido 3 vezes. Eu percebia o sorriso de agradecimento ao final. Não sabia se agradecias pelo pão ou por mim. "Nem só de pão viverá o homem" e eu queria te alimentar de todo o amor que havia em mim.

Você ter deixado a mesa não foi a pior parte de sua partida. Deixar meu café esfriando era previsível. O pior foi habitar dentro de si e ser incapaz de alimentar ao outro. Não senti pena de mim, mas há pessoas que sentem tanto...

Mas E agora? 

"como vai preparar meu leite quente antes de dormir?"


31.03.2021

Aline Lima

 "...se o ato de ler oferece a apreensão do mundo, o de escrever ultrapassa os limites de uma percepção da vida. Escrever pressupõe um dinamismo próprio do sujeito da escrita, proporcionando-lhe a sua auto-inscrição no interior do mundo."


Conceição Evaristo

O que é gostar de alguém?

Será que algum dia já gostei de alguém? A frase saiu de uma sessão de psicoterapia e ficou se revirando dentro de mim por dias. Como se sabe que se gosta de alguém...Fujamos aqui das definições românticas e piegas, esconda-se borboletas e suspenda o frio na barriga.

Esse mistério, que nem chamo de amor, persiste. Porque talvez ,quando seja amor não haja dúvida. ás vezes, eu saia de mim para pensar melhor, depois descobri que eu acabava não pensando. Acreditava que dar muito faria alguém ficar,descobri que era apenas mais um sintoma.

Eu não to com saudade de quem partiu. Eu to com saudade de mim e da vontade que eu tenho de me definhar e depois chamar isso de amor. Mas a maioria das pessoas também se destroem.

Quando conheci Luana achava que que ela vivia intensamente. Eu sempre admirei as pessoas que viviam como se o mundo fosse acabar amanhã. Pessoas incendiárias!

Pessoas que pegam fogo em plena segunda-feira á tarde, no meio do expediente em uma cidade grande. Ela era assim. Duas pessoas que se uniram para se destruírem. 

Nos fundimos numa gritaria escandalosa. Dançávamos uma dança perigosa em meio a uma tempestade. Luana era uma tempestade e eu um campo pronto. 

Até que um dia, deixei Luana ir. mesmo contra sua vontade. Era ela ou eu. Foi melhor assim. A tempestade pode afogar muitas vezes. Ainda ouço falar dela por amigos próximos. Olho para o mar e posso imaginar qual o último pensamento que ela teve antes de se atirar, querendo chegar até o barco que pairava no meio do mar.

Fico pensando como é difícil suportar nossas dores, se esvaziar parece mesmo uma punição. Talvez gostar de alguém seja gostar de lembrar. Mas eu não quero definir. Eu quero viver e de peito aberto.


15.03.2021


Na vitrola

 Uma das melhores lembranças da minha infância era ficar olhando a vitrola. Aquela agulha fininha que encantadamente fazia sair som ao tocar no disco me fascinava. Por aqueles tempos não existia mp3, nem serviço de streaming, cd era raridade e artigo de luxo, vitrola era antiquada. 

Algumas casas ainda mantinham essa tradição. Parecia uma torre de lego. uma parte tocava fita cassete, na outra rádio, na outra cd e em cima, majestoso, o maior de todos: o disco. Sobre os discos ,a criançada desconhecia. Não sabiam o que fazer com eles, não sabiam o que eles eram capazes de fazer. Não sabem que ele não acaba quando termina, que tem dois lados, que sua vida é frágil e sua morte se dá de forma fácil apenas com um arranhão.

Eu sempre fui apaixonada por rádio, até hoje ouço, mas a vitrola parece aqueles amores que você conhece, se apaixona, a vida toma caminhos diferentes e vocês se perdem, até se reencontrarem numa padaria do bairro distante ou numa avenida movimentada no crepúsculo.

Minhas histórias de amor também envolvem a agulha. 

Eu pegava todos os discos que tinha em casa, ouvia um por um, olhava com atenção as capas, decorava as letras, engolia as sílabas, limpava com pano úmido, balançava o corpo ou chorava sem motivo algum, eu nem tinha idade para chorar por alguém, mas o choro era sincero, perguntava aos mais velhos quem eram esses artistas e curiosamente de que eles haviam morrido. Queria saber mais desses desconhecidos tão próximos.

A gente não percebe muito bem quando o tempo vira. Talvez isso seja habilidade que só adquirimos quando estamos já bem mais velhos. Eu nunca sentia o tempo passar, nem quando ouvia a vitrola tocar. Eu apenas reparava no agora.

Não lembro bem como a vitrola foi embora lá de casa. Talvez tenha sido trocada por um objeto mais útil. Talvez tenha sido jogada no lixo como nossa sociedade aprendeu que se faz com as coisas velhas. Elas se perdem em meio ao tempo, torna-se obsoleto, vira basculho, precisa abrir espaço para o novo. 



Memórias

Quando eu era criança frequentemente ficava doente. Minha mãe sempre me levava ao médico, ás vezes se queixava, "essa menina só vive com dor de garganta", "de novo", e ia me arrastando até o postinho de saúde mais próximo.

Pegava a ficha, eu sentava na cadeira, balançando os pezinhos que  ainda não alcançavam o chão, acho  até que foi aí que aprendi a esperar. Minha mãe fazia amizades com outras mulheres que também acompanhavam suas crianças, enquanto eu ficava quieta, sem me queixar do incômodo da dor nem da impaciência de minha mãe.

o médico chamava meu nome, minha mãe me puxava pelo braço e entrava junto. "Doutor, ela tá sentindo dor de garganta, tosse e teve febre a noite toda." Era esquisito ver o monólogo da minha mãe sobre coisas que eu estava sentindo. Quando o médico queria saber mais, eu esboçava uma resposta, mas minha mãe tomava a frente e eu me sentia aliviada por não tem que fazer nenhum esforço.

Apesar de tudo era bom ficar doente. As atenções se voltavam pra mim. E e eu podia comer biscoito a qualquer hora junto com algum suco industrializado, podia assistir desenho animado a manhã toda e ganhava atenção quando era hora de tomar o remédio. 

Quando eu cresci, adoeci mais uma vez, só que minha mãe não estava para me levar ao posto de saúde e falar tudo por mim. Talvez a parte mais dolorosa de crescer seja essa: tomar sua própria voz!!!Quando ficamos mais velhos tudo que queremos é nos calar, calar nossas dores,varrer nossos incômodos, sarar nossas feridas e que alguém resolva tudo por nós.

Aline Lima



(Mini-crônica) Que tal 15 minutos de silêncio?

Minha ex namorada certa vez me fez esse convite!

A princípio eu estranhei e achei coisa de doido!

Mas depois pensei: por que não?!!

Ela era dessas que desliga a tv, corta a música, “por que você fala tão alto?”, “por que tanto barulho?,” quer um fone de ouvido?”

Enfim chegou o momento! Não fizemos 15 mas fizemos 10 e enquanto isso o único barulho era o da minha cabeça!

Eu pensava em coisas do tipo: será q eu devia cortar o cabelo?

E a outra voz me dizia: nãooo!!!

Confesso que gostei!

Apesar de não ser uma pessoa barulhenta e odiar volumes altos,

Tenho dificuldade em ouvir o silêncio!!!

Acho que vai virar uma prática minha porque inclusive agora estou em absoluto silêncio!

Não estou morta,estou na minha e realmente pensando de novo sobre cortar o cabelo!

março/2021

Figuras

Você pra mim é paradoxo

desses cheios de contradições que quebram a cabeça;

Você pra mim é metáfora,

daquelas que não se chega nunca a uma definição exata;

Você é hipérbole misturada com personificação,

amo todo o exagero em ti, 

e amo mais cada persona que inventas a cada vez que voltas,

Você pra mim é metonímia

te quero não só uma parte, mas quero o todo,

até ser sua anáfora

e me repetir por todos os dias de sua vida.

01.03.2021 



 
Além do Nosso Espelho © 2015 | Criado Por Aline Lima