Na vitrola

 Uma das melhores lembranças da minha infância era ficar olhando a vitrola. Aquela agulha fininha que encantadamente fazia sair som ao tocar no disco me fascinava. Por aqueles tempos não existia mp3, nem serviço de streaming, cd era raridade e artigo de luxo, vitrola era antiquada. 

Algumas casas ainda mantinham essa tradição. Parecia uma torre de lego. uma parte tocava fita cassete, na outra rádio, na outra cd e em cima, majestoso, o maior de todos: o disco. Sobre os discos ,a criançada desconhecia. Não sabiam o que fazer com eles, não sabiam o que eles eram capazes de fazer. Não sabem que ele não acaba quando termina, que tem dois lados, que sua vida é frágil e sua morte se dá de forma fácil apenas com um arranhão.

Eu sempre fui apaixonada por rádio, até hoje ouço, mas a vitrola parece aqueles amores que você conhece, se apaixona, a vida toma caminhos diferentes e vocês se perdem, até se reencontrarem numa padaria do bairro distante ou numa avenida movimentada no crepúsculo.

Minhas histórias de amor também envolvem a agulha. 

Eu pegava todos os discos que tinha em casa, ouvia um por um, olhava com atenção as capas, decorava as letras, engolia as sílabas, limpava com pano úmido, balançava o corpo ou chorava sem motivo algum, eu nem tinha idade para chorar por alguém, mas o choro era sincero, perguntava aos mais velhos quem eram esses artistas e curiosamente de que eles haviam morrido. Queria saber mais desses desconhecidos tão próximos.

A gente não percebe muito bem quando o tempo vira. Talvez isso seja habilidade que só adquirimos quando estamos já bem mais velhos. Eu nunca sentia o tempo passar, nem quando ouvia a vitrola tocar. Eu apenas reparava no agora.

Não lembro bem como a vitrola foi embora lá de casa. Talvez tenha sido trocada por um objeto mais útil. Talvez tenha sido jogada no lixo como nossa sociedade aprendeu que se faz com as coisas velhas. Elas se perdem em meio ao tempo, torna-se obsoleto, vira basculho, precisa abrir espaço para o novo. 



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