No ouvido

 Alguns gestos são tão sublimes. Eu sempre trabalhei em não perceber o mínimo.

Pra me impressionar precisava ser grande, ser muito, ser nítido. é preciso mais que sensibilidade para ver os pequenos gestos, eles estão escondidos em um café com uma flor, em um doce no meio da tarde, em uma mensagem de madrugada ou um favor quando você não pede.

Eu teimava até que eles não existiam. Minha missão era teimar. teimar de todas as formas possíveis que poderia haver amor em algo pequeno, porque amor pra mim já imprimia o grande. Acho que nasci com as respostas na mão e nunca as percebi.

Talvez fosse minha cabeça de nove que pensasse assim. Porque eu não via meu pai trazer flores á minha mãe, mas via ele brigar porque ela não havia feito a carne cozida pro jantar. Acho que era por isso que eu via mainha chorando no quarto sozinha.

As ideias vão se formando em nossa cabeça e a gente não sabe como. só quando cresce que a gente passa a entender cada pedacinho de nossas ideias e até mesmo o que a gente nem pensa passa a ser entendível.

Eu sempre esperava com ansiedade o final do dia. mainha chegaria do trabalho. Ainda lembro quando ela me mandou pegar algo no carro, mas era desculpa pra eu encontrar o presente que eu tanto desejava: um bambolê com cheiro de chiclete.

Não lembro a cara que mainha fez quando viu minha alegria, chorei tanto de emoção que bati a cabeça na porta. Ficou todo mundo da casa me olhando, só  minha irmã com olhar de reprovação, como ela sempre fazia com qualquer coisa que eu ganhasse.

mas nem todas as lembranças são ruins.  Hoje vejo que mainha fazia gestos simples pra me ver feliz, era um tempo dedicado a mim o dela escolher o que me daria e de saber o objeto que eu tanto queria. Foi patins, foi vestido rodado vermelho, videogame, foi uma máquina de costura de brinquedo mas que era de verdade.

Era mais do que o que ela me dava em conversas, carinho ou qualquer outra forma de atenção.

Muitos anos depois, quando eu já havia percebido isso, cheguei na casa de mainha e me queixei de dor de ouvido. Ela foi até o quarto, pegou o cotonete, colocou uma pomada e me mandou colocar no ouvido dizendo que era muito boa e sararia.

Entendi o que é um gesto sublime. Entendi o que é o amor em ação.



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