Sabonetes

 Não faço ideia de como isso se deu, na verdade faço sim, mas há coisas que preferimos varrer para um lugar pouco frequentado em nós. O que eu tinha era a ilusão de que dessa vez iria durar. Quando conheci Clara, foi rápido,mas o suficiente para eu ficar congelada, era a primeira vez que eu beijava uma mulher, então eu me sentia mal, era errado.

Lembrava de minhas memórias de adolescente e o que eu ligava á palavra lésbica. E não era nada positivo. Mas aconteceu e foi diferente de tudo que já havia experimentado antes. Clara me olhava, queria ficar comigo, até enfrentou a mãe, enquanto segurava minha mão, com cuidado como quem segura uma estrela do mar. Dizia que ficaríamos juntas para sempre. O tempo passou, fomos felizes, comendo pipoca enquanto assistia Mad man ou dançando é o tchan enquanto fazíamos faxina de madrugada.

Ela foi embora um tempo depois, não deve ter suportado, acompanhado que eu queria ir mais fundo na história, na minha história porque uma hora a gente cansa, se não de tédio,mas de morte. 

Quis frequentar todos os lugares de mim, havia uma distância entre mim e ela, e não era de um metro e meio entre a cama e o sofá, era de anos de consciência. A única coisa que ficou de nós foi o sabonete no banheiro. Comecei a analisá-lo muito tempo depois, não sei se por saudade, costume, distração ou sintoma.

Depois os dias continuaram, conheci Giovana, achei que ela nunca iria embora. Suas palavras eram fortes, sua vontade era fraca. Começamos sabendo muito o que queria, era muita convicção em tão pouco tempo, mas eu já estava sem escolha. Percebi quando demorava minha atenção sob seu corpo, os cabelos castanhos e ondulados enrolados na toalha, um perfume que ficava grudado no travesseiro.

O meu problema foi acreditar demais nas suas palavras, em suas histórias turvas, não queria desconstruir a ilusão que eu tinha criado e isso me importava tanto. Acreditei até que ela tinha um banheiro favorito na minha casa. Mas o fim estava rápido e ele foi tão de repente que um ano depois, quando ela voltou, ainda achei que não houvesse tido fim. De novo, a única coisa que ficou foi o sabonete gasto no banheiro. 

Quando Cris chegou, eu nem percebi direito. Ela foi entrando na minha casa, no meu quarto, na minha cama, na minha vida. os dias eram confortáveis, com direito a sentar na calçada pra olhar a vida passar, mas um furacão passou na rua e arrastou nossas cadeiras e agora a situação já não era mais confortável. Sua partida era urgente e forçada por mim.

Não me dei conta de quando ela levou o sabonete, mas ele estava ali também, naquele banheiro que eu mal entrava, a não ser quando era pra fugir enquanto ela corria para me puxar pela cintura e me beijar com a boca cheia de pasta de dente enquanto ria e se balançava.

Fiquei sentada no chão do banheiro nem sei quantas horas. Naquele momento me esqueci das pessoas. Olhava os sabonetes e desejava apenas que ele limpasse todo o amor que eu era capaz de sentir, todo o meu desejo ardia.

Aquele sentimento de enxergar a mim e toda minha ingenuidade e toda minha vida incompreendida e ignorar toda a necessidade de que eu precisava ficar só. Aqueles sabonetes todos juntos; um rosa redondo, outro branco já mais gasto, outro amarelo. Formei com eles um só, amassei como quem abraça, doeram as mãos, os líquidos do meu corpo saíram de todas as formas.

A vida delas continuava sem mim,mas a minha parou por um instante. Tudo virou água de esgoto. Eu queria morrer sozinha no chão do banheiro porque não suportava o abandono. Eu vomitei de febre, chorei, fiquei magra, e então acreditei na verdade mais dura e menos açucarada que carrego: eu não dou conta de mim e o que me resta agora é respirar meu próprio oxigênio. 


25.05.2021




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