Um livro e um Chá

"o céu mentia chuva". Acho que era outono. Você vestia sempre uma camisa larga e um short que deixava as pernas á mostra. Essas pernas eram colocadas sob as minhas na cadeira branca que sentávamos para ler após o almoço. Você como sol espalhava luz em todas as direções, refrescando meu rosto, puxando meu sorriso, me fazendo desviar do livro para olhar teu rosto concentrada em Clarice.

você tinha cheiro de flor de maracujá. cheiro de maresia de tarde. Qualquer palavra ali atrapalharia o momento. Como que cronometrado pelo relógio do amor, a gente parava a leitura e você me puxava pro quarto pra me guiar. Queria ser guia, mas era guiada. e eu não achava ruim. Era bom me desarmar e pela primeira vez ser aprendiz, era pega por seu conhecimento preparado, aprendido meio que sem regras, mas diferente de tudo que eu sabia. E isso me era estranho.

Tive medo pela primeira vez em muito tempo. Medo que aquilo não fosse real, medo que alguém me impedisse, medo que não fosse verdade.

Que bonita era sua empolgação quando falava. Eu sempre falei muito mas não achava ruim em me calar e te ouvir falar sobre sua infância em Pocinhos ou sua família desajeitada. Ou dos seus planos pro seu futuro que eram sempre tantos e não pareciam se encaixar.

Eu me calava.

cada um traça seu destino. o melhor que podemos fazer muitas vezes é assistir e torcer pelo bem. E como eu precisava torcer porque você seguia um caminho torto, que percebi muito depois que te seguir era destruição. Eu te seguia me dispondo. Mas eu sabia que você não tinha razão. E tudo bem. a gente nem sempre tem. Mas todos temos fé. E você tinha muita, de todo tipo, seja com a astrologia, o candomblé ou com o espiritismo. Você era do zodíaco, eu sazonal.

Quem é teu santo. O que é a vida. Era a profundeza nos nossos dias. Parecia que eram dias contados. Eu sentia isso. Assim como a música que tocava enquanto preparava o café. Era "tudo somente sexo e amizade" como cantava Maria Bethânia. Desejei que fosse mesmo. Havia um pacto que nunca fizemos de que café era pela manhã,mas de tarde era chá. Achei também que haveria pacto de outras coisas boas.

Você quis ficar,mas não soube. Eu te expulsei porque era preciso. Você quis gravar meu nome e gravou mais algumas coisas. O último dia foi ficando mais cada vez mais vago. Aqui dentro não há rancor, aqui dentro há lamento.

por mim

por você

por nós.

Não sou dada á astrologia, nem aos santos. nem mais aos espíritos, mas só contigo entendi a grandiosidade do que sou.


17.05.2021







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