Morte

 Aquilo me caiu como uma bomba. Não sabia o que fazer com aquela informação. Tentei correr, mas não tinha pra onde, até pensei em correr sem rumo, mas o que diriam as pessoas que me vissem? tinha endoidado, por certo.

Achei melhor ficar parada. Peguei um livro. -vou distrair a cabeça. Pensar em outra coisa. As histórias se cruzaram, minha cabeça deu um nó e as letras saltavam da página formando a palavra: culpada!!!

Fechei o livro meio atordoada. A cabeça a mil, pensamentos que não faziam sentido.- Era sintoma, era sintoma, eu repetia pra mim mesma. Peguei o carro, as lágrimas começaram a descer descontroladamente. Parei na primeira padaria perto, pra meu azar tinha um conhecido lá, enxuguei as lágrimas, sorri-lhe educadamente, torcendo que ele não me puxasse assunto.

Comprei a maior quantidade de pães e bolos e salgados que pude. Voltei pra casa e comi vorazmente. Como uma espécie de antropofagia, queria que cada tristeza minha ficasse em cada grama de farinha que ingeri. A dor não passou.

Aquela sensação de que eu não sabia o que fazer com esse vazio, eu não sabia mais quem eu era. Funcionei errado até aqui. Esse funcionamento meio desconhecido, meio atropelado, meio doentio era responsável por tantos fracassos e tanto desamor e tanto ressentimento. Pensei nas pessoas feridas, pensei nas minhas dores arrastadas por meses.

Pensei em desistir de mim. Encontrar nos braços de Deus consolo pra essa dor incansável. Pensei em procurar um colo qualquer. Alguém que tapasse novamente esse buraco que descobri aqui dentro e não sei mais preenchê-lo.

Meu gato me olhou. Como quem entende ou tem pena das lágrimas que me caem incontrolavelmente, ele se achega, mia, se encosta em mim, balança seu rabo e apoia sua cabeça em minha mão. Queria fazer com alguém a mesma coisa que meu gato fez comigo. Queria um acolhimento qualquer, uma esperança que fosse, mesmo que não fosse verdade. Tudo que resta ali era eu.

O vazio continuaria. 

Ignoro todas as pessoas que tentam falar comigo. Não me sinto mal por isso. Queria mudar de endereço, mudar de cidade, mudança que me trouxesse a resposta que procuro. Vou ao banheiro, olho minha cara refletida no espelho redondo, lembrança de um tempo bom. Tempo no qual todo meu vazio era desconhecido. Olho meu rosto e ele é um grande desagrado. As olheiras fundas da noite mal dormida, o lábio seco e o olhar abatido. Passo a mão nele, tento bate-lhe, mas a dor física não ameniza a dor que é por dentro. Caminhar é um grande cansaço. Meu corpo está entregue ao que não sei. Deito,mas não encontro posição que afaste o pensamento: - você é culpada!!!

Penso em rezar, mas pra qual deus? Que inferno de deus tão sádico era esse que iria querer que seu filho sofresse tanto? Desisto da ideia. Não é espiritual. Coloco uma música, um flashback internacional pra relembrar de quando esse vazio era desconhecido. Choro mais ainda. Onde foi que me perdi? ou será que agora que me achei?

Minha última alternativa era me dopar, mas a realidade não mudaria. A realidade é um teste maior. E não havia ninguém pra segurar meu corpo, caso eu me destruísse de verdade. Eu fazia o que sabia, o que ainda era muito pouco. Esvaziar-se parece uma punição.

Penso nas coisas que eu deveria pensar, mas não quero verbalizar. Cada sílaba carrega uma chicotada na alma e eu sou o capataz. Um atestado de culpa, uma lembrança feliz, agora o silêncio do meu quarto e a solidão parece castigo. Minha raiva foi adormecendo.

Enfim consigo dormir. No outro dia acordo. Tudo claro como um lembrete de que na mais alta escuridão ainda pode entrar luz. Consigo, então, compreender que minha irritação tenha sido algo maravilhoso. Era preciso morrer. Morrer é um presente divino. Na vida morremos repetidas vezes, o problema está em não renascer.  Coloco agora a vírgula mais importante da minha vida, a que vai virar todo o rumo da história, mas isso pede fôlego puxado. Vir a saber do que eu não sabia sobre mim mesma é um desafio,mas é só através disso que podemos nos reposicionar, nos reconstruir, nos refazer.  Imprimi folhas de possibilidades, todas que me levavam a mim mesma como caminho.


07.06.2021


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