Tatuagem

 Eu não sei nem quando fantasiei que éramos iguais. Apesar de ter estudado na mesma escola e frequentar o mesmo centro espírita, a gente era tão diferente que parecíamos dois extremos. Meus amigos perceberam logo, disseram pra eu não dar moral e ir com calma. Descobri depois que você não gostava deles, nem foi difícil descobrir, você mesmo me falou. 

Eu não sei se era ciúmes de mim ou inveja porque você não tinha amigos. Eu me equilibrava na corda bamba que você colocou desde muito cedo. "Não gosto disso", "não aceito aquilo" e eu me entortava toda pra poder andar na linha. Na sua linha porque era a linha que eu achava que era a certa a seguir.

Olhava pro relógio, aguardava ansiosa tua hora de chegar. Você era sempre pontual, depois foi atrasando 20 minutos, uma hora, até que sumiu. Seu incômodo era grande e pequeno demais. Um pelo do gato, um favor negado, uma mensagem apagada...e você enfim admitia que a gente era muito diferente, mas eu ainda teimava que não.  

Eu tinha um costume danado de fechar os olhos pra tudo, fechei pro teu beijo molhado e fechei pros teus defeitos escancarados. Eu tinha uma caixinha de ouvir música no quarto, você dizia que ouviu uma música e lembrou de mim. Você dizia que Ana Carolina já tinha passado, eu dizia que Renato Russo já tinha passado pra mim, eu mostrei minha tatuagem com a música dela e você mostrou a sua tatuagem com a música dele. A dele tava certa: minha, só minha e não de quem quiser. Aquela letra tinha tudo a ver com você.

Queria que você tivesse sido meu, mas a gente era muito diferente.

A gente ouvia sempre as mesmas músicas, do mesmo jeito. Um vinho na frente, o corpo colado e a caixinha tocando baixo. Você relava seu corpo em mim, me olhava, encostava o lábio no meu e eu tinha a iniciativa de beijar primeiro.

pena que a gente era muito diferente.

Eu achava tudo tão lindo. Acreditava mais no que ouvia que no que via. Eu tinha esse costume danado de fechar os olhos pra tudo. Eu dizia que você gostava de mim porque você me confundia. Você dizia que um dia a gente estaria na praia, cada um lendo um livro á beira-mar e os meus olhos fechavam sonhando com isso.

Até que um dia meus olhos abriram. Quando vi você era projeção. Não sei quando você começou a desistir, mas eu achei melhor também deixar pra lá. Chorei por dias trancada no quarto, a dor de enxergar é muito maior que a de se estar cega. Ligava a caixinha em casa e imaginava passando a mão em seus cabelos longos. Foi passando o tempo. Percebi que nenhuma linha nos ligava a não ser a minha teimosia. Você não gostava de falar, você não gostava de pessoas, você não gostava de namorar, você não era nada do que me dizia ser. A diferença era muito grande. Enxerguei. 

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